quarta-feira, 5 de novembro de 2025

NÃO SÃO APENAS ECRÃS!

Tradução de excertos de um artigo de Laura Peraita (Madrid) publicado no jornal ABC no dia 03/11/2025.

https://www.abc.es/familia/padres-hijos/solo-pantallas-sirve-padres-pidan-quiten-dispositivos-20251103221454-nt.html


Ecrãs sim, ecrãs não? Essa já não é a questão. «O que realmente importa neste momento é dispor de ferramentas úteis e critérios sólidos para que as famílias e os centros educativos possam tomar decisões conscientes que protejam os menores e os ajudem a construir uma relação equilibrada, crítica e saudável com a tecnologia. O desafio hoje é formar uma geração capaz de aproveitar as vantagens do digital sem que fique presa nas suas armadilhas. Um desafio enorme, sim, mas também uma oportunidade única que não podemos deixar passar». Foi o que destacou Carmen Llopis, cofundadora da «No solo pantallas» (Não só ecrãs).

Esta educadora e divulgadora ofereceu uma palestra inspiradora sobre o modelo de educação responsável e bem-estar digital que ela e a sua equipa desenvolvem. «Para nós, o bem-estar digital é alcançado através do equilíbrio entre o offline e o online. Ou seja, nenhuma criança deveria ter uma experiência online se antes não tiver vivido suficientemente no mundo offline. Não pode ter amigos nas redes sociais se não tiver tido amigos na rua».

Salientou que «a solução não é proibir, mas sim educar. Consciencializar e regular de forma equilibrada e comunitária o uso dos dispositivos». Defendeu igualmente a coerência entre a família, a escola e o ambiente social, uma vez que «de nada serve que os pais peçam para retirar os ecrãs da escola se em casa permitem a sua utilização pelos filhos. A educação digital deve ser uma tarefa partilhada, mesmo com os avós».

O modelo proposto simula uma viagem simbólica de carro rumo à educação responsável, para orientar famílias e centros educativos para um uso consciente e saudável da tecnologia. «Queremos que visualizem este processo como uma viagem de carro, que pode parar, recalcular a rota, mudar de direção ou reabastecer de acordo com as necessidades do momento. Mas, além disso, em cada carro há regras: em alguns é proibido comer; em outros, fumar, colocar música alta... Por isso, antes de iniciar a viagem, é preciso estabelecer regras claras».

- A primeira regra é zero telas de 0 a 6 anos. «Os pediatras dizem isso claramente. E não devemos usá-las como uma chupeta emocional».

-Não levar o telemóvel ou o tablet para a mesa de jantar.

-Não dormir com esses dispositivos no quarto.

-Não recompensar nem punir com tecnologia.

-Acordar o tempo de utilização, tanto para as crianças como para os adultos, que devem dar o exemplo.

-Estabelecer tempos e espaços sem ligação digital.

-Não introduzir uma nova tecnologia sem primeiro conhecer as consequências da sua utilização.

-Priorizar as experiências reais em detrimento das digitais.

-Cuidar do vínculo e da relação com os filhos e alunos acima de tudo.


O modelo «Não são só ecrãs» propõe cinco paragens nesta viagem:

1. Conhecer o cérebro antes de usar a tecnologia: «Não é preciso ser neuropsicólogo, mas sim compreender o que acontece no nosso cérebro quando usamos as redes sociais. Se nota que o TikTok o prende, talvez seja porque excedeu a dopamina».

2. Criar hábitos saudáveis: alimentação e descanso, pensamento crítico, leitura e escrita em papel, criatividade, hábitos emocionais, morais, de consumo e de lazer.

3. Estabelecer relações saudáveis e construir uma identidade familiar: «Quando as crianças tiverem dúvidas perante uma proposta digital, essa identidade irá ajudá-las a recalcular», salientou, ao mesmo tempo que reivindicou a importância da identidade coletiva nas escolas.

4. Usar a tecnologia de forma responsável para responder, antes de usar os dispositivos, às seguintes perguntas: quando, como, quanto e para quê.

5. Desenvolver a resiliência digital: «É preciso aprender com os erros. Coisas vão acontecer, e devemos ter procedimentos em vigor para aprender com elas, tanto em casa como nas escolas».

O vício digital não afeta apenas os mais jovens, «os adultos também desenvolveram padrões de dependência em relação a plataformas concebidas para reter a atenção».


O psicólogo Alberto Soler esclareceu que «a culpa não é do dispositivo, mas da plataforma. Os mecanismos das redes sociais são concebidos para promover um consumo prolongado e descontrolado. Passamos mais tempo do que gostaríamos no Facebook, TikTok ou Instagram. Mas insisto — reiterou —, a culpa não é do dispositivo, mas da plataforma, do scroll infinito, do algoritmo e da segmentação de conteúdos. Tudo isso é inspirado nos mecanismos das máquinas caça-moedas, com reforços aleatórios e intermitentes que tornam muito difícil parar de usar».

Silvia Álava, psicóloga, acrescentou que o verdadeiro problema não está apenas no excesso de tempo que dedicamos aos dispositivos, «mas em tudo o que deixamos de fazer enquanto estamos conectados. O custo é relacional e emocional. Talvez não tenha estado com o seu filho, não tenha visto o seu amigo, não tenha partilhado uma conversa real... Estamos a deixar de fazer coisas que protegem a saúde mental, como estar com os outros, tocar-nos, cheirar-nos, ver-nos».

Beatriz Martínez, do Serviço de Psiquiatria e Psicologia Clínica do Hospital Infantil Universitário Niño Jesús de Madrid, foi muito direta ao afirmar que não nos enganemos: «os adultos perdem tempo da mesma forma que os jovens. Não é verdade que só consumimos conteúdo de qualidade. Ninguém consegue passar seis horas a ver vídeos educativos. Tal como os adolescentes, perdemos tempo com reels ou TikTok».

Martínez denunciou a hipocrisia de muitos adultos que julgam o lazer digital dos jovens, «mas não há tanta diferença entre ver vídeos sobre como limpar tapetes e os vídeos absurdos que os adolescentes veem. Colocamo-nos num púlpito moral, mas fazemos o mesmo». Explicou que os adolescentes internados na sua unidade têm os telemóveis confiscados e que, quando têm alternativas de socialização, não mostram sintomas de abstinência. «O importante é oferecer-lhes outras formas de se relacionarem».

Para Alejandro Villena, psicólogo, sexólogo clínico e diretor do «Piénsatelo Psicología» da Universidade Internacional de La Rioja, «as plataformas não são feitas para nos educar nem para nos entreter, mas para que passemos mais tempo em frente ao ecrã. Tudo é concebido para que pensemos menos. Entre o estímulo e a resposta existe um espaço, e nesse espaço está a nossa liberdade. Estamos cada vez menos livres porque pensamos menos e somos escravos dos estímulos».

Ainhoa Arana-Cuenca, da Universidade Internacional de La Rioja, afirmou que ninguém nos preparou para conviver 24 horas por dia, 7 dias por semana, com um dispositivo que define a nossa identidade digital, «sobretudo porque o telemóvel também é trabalho, é vida social, é entretenimento. Tudo se mistura e isso aumenta o vício».

Rafa Guerrero explicou que o uso abusivo perpetua um cérebro caótico. «Um recém-nascido tem um cérebro caótico que precisa do vínculo humano para se organizar. Se substituirmos esse vínculo por ecrãs, perpetuamos um cérebro desorganizado. Os dispositivos são concebidos com luz, som e movimento precisamente para captar a atenção do bebé. Qualquer estímulo com essas características capta a sua atenção. Mas a concentração não se treina com ecrãs, mas sim com a interação humana». E concluiu com uma advertência: «Só o vínculo educa. Os dispositivos não desenvolvem as funções executivas do cérebro; isso é feito pela relação humana».

Aitor Sánchez García alertou que, como se não bastasse, «os ecrãs também influenciam a alimentação e a imagem corporal. A maioria dos anúncios que os adolescentes recebem através dos ecrãs são de alimentos nada saudáveis. Não há anúncios de beringelas ou grão-de-bico, porque o lobby dos ultraprocessados domina a publicidade digital». Além disso, destacou como as redes sociais promovem ideais de corpo inatingíveis. «Pela primeira vez, os adolescentes recebem mensagens de outros adolescentes sobre ‘como comer ou ter boa aparência’, o que agrava os distúrbios alimentares».

Carmen Llopis encerrou a sua intervenção garantindo que as duas cofundadoras do projeto querem ser boas copilotos. «O copiloto coloca música, conversa, indica «vá pela direita», «agora pela esquerda» e tranquiliza quando se perde. Esperamos percorrer esta viagem juntos, desde as redes, os eventos e as áreas de serviço para podermos reabastecer e nos reencontrarmos. Nos próximos anos, vamos aprender muito e muito rapidamente. Se não o fizermos juntos, famílias, professores e profissionais, não servirá de nada».

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